Armínio Fraga tem cidadania americana e
isso não é uma metáfora: ele foi indicado a Obama pelo ex-Secretário do
Tesouro, Tim Geithner,como alguém confiável
A notícia soa como uma daquelas tiradas
espirituosas da verve nacionalista brasileira: ‘Armínio Fraga cogitado para
comandar o Fed norte-americano (o BC dos EUA)’.
Parece um revival do bordão dos anos 60,
‘Abaixo os intermediários, Lincoln Gordon para a presidência’, em cenário
invertido.
Gordon, embaixador gringo, um dos
articuladores do golpe de 64, não chegou lá. Mas a cogitação de Armínio ,
ex-presidente do BC, de Fernando Henrique Cardoso, que despontou para o
estrelato rentista como operador do fundo especulativo de George Soros e hoje
é o principal fiador de Aécio Neves junto aos mercados– é mais que uma metáfora
venenosa.
A proposta, real, foi revelada pelo próprio
autor, Timothy Geithner, ex-secretário do Tesouro dos EUA, que conta o episódio
em seu livro, ‘Stress Test’ (‘teste de resistência’). Nele, Geithner faz um
retrospecto do fiasco da paridade entre o Real e o dólar , que obrigou a uma
maxidesvalorização cambial de 30% em 1999. A decisão, empurrada com a barriga
até se consumar a reeleição de FHC em 1998, ancorada em dupla fraude: compra de
votos para aprovar a emenda constitucional no Congresso e a ilusão da moeda
forte.
A ressaca começou logo em seguida à
contagem dos votos. A máxi de janeiro de 1999 fez explodir a inflação levando
Armínio a elevar a taxa de juro básica do país a 45%. Fechou-se assim o
torniquete que o transformou em um centurião dos endinheirados : desvalorização
da moeda, perda de poder de comora dos assalariados e juro sideral. Ele é
soberbo nisso.
Quem diz é o amigo Geithner que narra assim
a implosão: ‘Após abandonar uma tentativa inicial de se manter a paridade do
real com o dólar, uma liderança econômica soberba do Brasil conseguiu dar a volta
por cima em poucos meses’.
Em MATÉRIA SOBRE O LIVRO, de maio deste
ano, o jornal Folha de SP destaca a origem da credibilidade do brasileiro
junto aos americanos: ’Ao explicar os pacotes de ajuda decididos pelo governo
norte-americano, diz a matéria da Folha, Geithner acrescenta que “só
funcionaram quando lidamos com líderes competentes e confiáveis. O presidente
do banco central brasileiro, Armínio Fraga, que também possui cidadania
americana, foi tão notável que mais tarde eu o mencionei para o presidente
Obama como um potencial presidente do Fed [o BC americano]“, escreveu Geithner
citado pela Folha. Seu empenho pela nomeação da ‘ liderança econômica soberba’
foi tão entusiasmada que fez questão de lembrar a Obama, como diz no livro, a
condição de cidadão norte-americano de Armínio ( ele tem dupla cidadania e
neste caso não é apenas uma metáfora venenosa)
A empatia entre ‘Tim’, como é chamado o
ex-Secretário do Tesouro, e Armínio tem raízes profundas. O americano é um
entusiasta dos derivativos que funcionaram como um dos bombeadores da crise de
2008.Não só. Durante a crise, Tim funcionou como uma espécie de embaixador da
alta finança junto à Casa Branca: sua prioridade era salvar bancos.
A intercambialidade de Gordons , Armínios e
Tins não é novidade na história brasileira.
Mas nem por isso a influência desses
coringas deixa de trazer problemas no trato de interesses e agendas, nem sempre
tão complementares quanto eles.
Tome-se a encruzilhada do país nos dias que
correm.
Dois de seus principais desafios consistem
em elevar a taxa de investimento e reverter o estiolamento da base industrial.
Armínio e Aécio Neves deram uma entrevista
ao jornal Valor, no início de maio, em que o coordenador econômico da
candidatura tucana expõe seu modus operandi ao tecer críticas à ação oficial
nessa área.
Entre outras coisas, o amigo de Geithner
manifesta sua desaprovação ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI).
Talvez a coisa mais certa que o governo fez nessa frente.
Criado na crise de 2009, o programa garante
crédito barato de longo prazo à aquisição de bens de capital, desde que apresentem
60% de conteúdo nacional.
O mesmo critério incômodo foi incorporado
ao regime de partilha, que rege a exploração soberana do pré-sal brasileiro.
Todas as encomendas associadas à exploração
das reservas bilionárias devem incluir 60% de conteúdo fabricado no país.
Compreende-se a má vontade.
Nos idos tucanos, quando Armínio
pontificava, dizia-se que a melhor política industrial para uma nação em
desenvolvimento é não ter política industrial alguma.
Com Armínio no comando (aqui, no Brasil)
voltaríamos aos domínios dessa fé inquebrantável na capacidade dos livres
mercados para alocar recursos com maior eficiência, ao menor custo.
O veículo por excelência dessa ubiquidade é
o capital financeiro, dotado de alguns requisitos.
A saber: liberdade irrestrita de ir e vir,
um Banco Central complacente e condições adequadas para impor sua remuneração
pelos serviços prestados.
Se alguém disser que nessa chocadeira
vingou o ovo do colapso neoliberal de 2008 não estará longe de uma verdade
sintética acerca do ocorrido.
O amigão de Armínio ajudou na choca.
Quando presidente do Fed regional, de Nova
Iorque, Geithner defendia que os bancos podiam reduzir suas reservas de
segurança e alavancar operações , mesmo sem ter caixa para honrá-las, se
necessário.
Deu-se o que se sabe. E agora se sabe que
quando se deu, Geithner lembrou-se de Armínio – ‘competente e confiável’,
afiançou ao presidente norte-americano, para ajudar a resolver o melê.
Hoje, no Brasil, essa linha de pensamento
nomeia o arrocho fiscal, de consequências sabidas, como a principal alavanca
corretiva para destravar o crescimento da economia.
Trata-se de recuar o Estado para o mercado
agir e a sociedade prosperar. É o que dizem.
Nunca é demais repetir que essa reordenação
vigora há alguns anos em países europeus, sob ajuste da troika.
Neles se colhe taxas de desemprego de 11,5%
a 50% (entre os jovens); as contas públicas se distanciam do equilíbrio; o
crédito mingua, a atividade econômica rasteja e a juventude migra. Mas a
extrema direita floresce: sua bandeira é substituir a desordem resultante por
uma ordem policial atuante.
Em nenhuma outra dimensão da luta política
nesse momento a pauta do país é tão esfericamente blindada e impermeável quanto
na área econômica.
Discute-se como se não existisse a opção de
cortar os juros para a construção de um equilíbrio que poupe o investimento
público em programas sociais e em infraestrutura.
Sim, é verdade, na era das finanças
desreguladas o comando do Estado sobre a taxa de juros é limitado pelo poder de
chantagem dos capitais que respondem à ‘afronta’ com fugas maciças levando a
uma crise nas contas externas.
Mas também é verdade que tudo se passa como
se o recurso do controle de capitais não figurasse no cardápio econômico
mundial, embora seja tolerado até pelo FMI.
A invisibilidade imposta a essas angulações
é parte da encruzilhada brasileira.
Ao afunilar o horizonte do país num
labirinto repetitivo desemboca-se, inapelavelmente, no paredão do arrocho onde
estão escritos os mandamentos seguidos pelos Armínios e assemelhados.
É impossível desmontar essa ciranda sem
afetar os interesses da alta finança. Razão pela qual respeitados economistas
cogitam alguma forma de controle de capitais numa reordenação macroeconômica
para retomada do crescimento.
Se o PT avançará nessa direção num eventual
segundo governo Dilma é incerto. Depende em grande parte da correlação de
forças interna e externa.
Agora, imaginar que um potencial presidente
do Fed americano possa agir contra seus camaradas de fé, em defesa do país,
equivale a aceitar que Lincoln Gordon operou o golpe por amor à democracia.
Fonte:
Conversa Afiada
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