Fundadora da Central Única dos
Trabalhadores e organizadora do PT, além de amiga e fraternal companheira do
líder seringueiro Chico Mendes, Marina Silva foi durante anos, dentro do campo
da esquerda brasileira, a representante de uma utopia que tentou conciliar três
vetores quase sempre desalinhados: o desenvolvimento econômico, a inclusão
social e o respeito ao meio ambiente e às populações tradicionais.
Sua saída do PT, em 2009, empobreceu o
partido e o debate interno sobre qual caminho seguir na busca por um mundo mais
justo e solidário.
A figura frágil – sobrevivente da miséria
dos migrantes recrutados para trabalhar na extração da borracha; nascida em uma
família de onze irmãos (da qual oito se criaram); órfã aos 15 anos; sonhática
(conforme a auto-definição); vítima da malária, da intoxicação pelo mercúrio
dos garimpos e da leishmaniose (doenças da extrema pobreza) – pereceu no
domingo, 12 de outubro, depois de lenta agonia.
Foi nesse dia que ela formalizou seu apoio
ao tucano Aécio Neves no segundo turno das eleições presidenciais, contra a
candidatura da petista Dilma Rousseff.
Como membro do Partido dos Trabalhadores,
onde militou durante 23 anos, Marina ajudou a eleger e a implantar o governo de
Luiz Inácio Lula da Silva, em que exerceu o cargo de ministra do Meio Ambiente
durante cinco anos e quatro meses. Foi um período importante, que consolidou as
condições para o Ceará, terra dos pais de Marina, crescer mais velozmente do
que a média nacional –3,4% ao ano, contra 2,3% da média nacional.
Anos também importantes para o Nordeste
como um todo, que deixou de ser exportador maciço de mão-de-obra, já que criou
oportunidade de emprego e renda “como nunca antes”. Só para efeito de
comparação, ainda hoje a atividade econômica nordestina cresce acima de 4% (nos
cinco primeiros meses de 2014), resultado superior à média nacional (0,6%), segundo
o Banco Central.
Exemplo de superação das dificuldades,
Marina Silva conta em sua biografia com uma passagem como empregada doméstica.
Dureza. Mas a contribuição de Marina no fortalecimento do governo do primeiro
operário na Presidência ajudou a mudar a situação das empregadas domésticas.
Primeiro com a valorização do salário
mínimo, que passou de R$ 200, no último ano do governo do tucano Fernando
Henrique Cardoso, para os R$ 724 atuais.
Depois, com a aprovação da Proposta de
Emenda à Constituição das Empregadas Domésticas, de 2013, que ela, com seu
exemplo e luta a favor dos oprimidos, ajudou (ainda que indiretamente) a
garantir.
Mais de um século depois da Abolição da
Escravatura, 7,2 milhões de empregados domésticos brasileiros foram incluídos
na categoria de cidadãos dotados de mínimos direitos trabalhistas, entre os
quais o controle da jornada de trabalho, definida em oito horas diárias.
Além disso, a categoria começou a receber
horas extras, remuneradas com valor pelo menos 50% superior ao normal.
Marina estudou muito, de modo a formar-se
como historiadora, professora e psicopedagoga, em uma época em que o país só
oferecia aos membros da elite branca a possibilidade de conquistar um diploma
de nível superior.
Como membro do Partido dos Trabalhadores e
afrodescendente, Marina ajudou a fazer a revolução educacional que aumentou o
acesso dos mais pobres e morenos aos bancos universitários.
Pela via da ampliação no número de vagas
nas universidades federais, do ProUni e do Fies, o número de vagas no ensino
superior mais do que duplicou de 3,5 milhões (em 2002) para 7,1 milhões (em
2013).
Uma vida de vitórias, exemplos e
superações.
Mas Marina Silva acabou no domingo 12 de
outubro, quando virou as costas para sua própria trajetória ao declarar voto no
candidato Aécio Neves, o representante de uma política econômica ostensivamente
contrária à valorização do salário mínimo e à ampliação das políticas sociais e
de inclusão.
Com o capital eleitoral que conseguiu
reunir no primeiro turno (21,32 % do total de votos, ou 22.176.619 eleitores),
Marina poderia ajudar sua Rede Sustentabilidade a se consolidar como a tal
terceira via de que tanto falou antes.
Ela preferiu juntar-se a forças bem
conhecidas dos brasileiros:
Que criminalizam os movimentos sociais;
que atentam contra a liberdade de imprensa;
que são apoiadas pela chamada “Bancada da
Bala”,
por Silas Malafaia e por Marcos Feliciano.
Sem contar que os votos de Levi Fidelix
(PRTB, o idiota que fez do aparelho excretor um programa de
governo), devem ir para Aécio também.
Marília de Camargo César, autora da
biografia “Marina: a vida por uma causa” (editora Mundo Cristão, 2010), conta
que, diante de um problema de difícil resolução, a ex-ministra costuma praticar
a “roleta bíblica”, que consiste em abrir a Bíblia aleatoriamente, para saber o
que Deus recomendaria na situação.
Não é difícil imaginá-la nesse
mister quando ela se saiu com a ideia de pedir que o
PSDB reconsiderasse a campanha pela redução da maioridade penal, como
condição sine qua non a seu apoio.
Aécio respondeu sem pestanejar: -Não!
E assim acabou-se mais uma ‘convicção
firmíssima’ de Marina.
Descansa em paz, Marina!
Fonte:
Viomundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário