A
luta interna no PSB, latente há algum tempo e agora aberta, tem como cerne a
definição do país que queremos e, por consequência, do Partido que queremos. A
querela em torno da nova Executiva e o método patriarcal de escolha de seu
próximo presidente são pretextos para sombrear as questões essenciais. Tampouco
estão em jogo nossas críticas, seja ao governo Dilma, seja ao PT, seja à
atrasada dicotomia PT-PSDB – denunciada, na campanha, por Eduardo e Marina como
do puro e exclusivo interesse das forças que de fato dominam o país e decidem o
poder.
Ao
aliar-se acriticamente à candidatura Aécio Neves, o bloco que hoje controla o
partido, porém, renega compromissos programáticos e estatutários,
suspende o debate sobre o futuro do Brasil, joga no lixo o legado de seus
fundadores – entre os quais me incluo – e menospreza o árduo esforço de construção
de uma resistência de esquerda, socialista e democrática.
Esse
caminhar tortuoso contradiz a oposição que o Partido sustentou ao longo do
período de políticas neoliberais e desconhece sua própria contribuição nos
últimos anos, quando, sob os governos Lula dirigiu de forma renovadora a
política de ciência e tecnologia do Brasil e, na administração Dilma Rousseff,
ocupou o Ministério da Integração Nacional.
Ao
aliar-se à candidatura Aécio Neves, o PSB traiu a luta de Eduardo Campos,
encampada após sua morte por Marina Silva, no sentido de enriquecer o debate
programático pondo em xeque a nociva e artificial polarização entre PT e PSDB.
A sociedade brasileira, ampla e multifacetada, não cabe nestas duas
agremiações. Por isso mesmo e, coerentemente, votei, na companhia honrosa de
Luiza Erundina, Lídice da Mata, Antonio Carlos Valadares, Glauber Braga,
Joilson Cardoso, Kátia Born e Bruno da Mata, a favor da liberação dos
militantes.
Como
honrar o legado do PSB optando pelo polo mais atrasado? Em momento crucial para
o futuro do país, o debate interno do PSB restringiu-se à disputa rastaquera
dos que buscam sinecuras e recompensas nos desvãos do Estado. Nas ante-salas de
nossa sede em Brasília já se escolhem os ministros que o PSB ocuparia num
eventual governo tucano. A tragédia do PT e de outros partidos a caminho da
descaracterização ideológica não serviu de lição: nenhuma agremiação política
pode prescindir da primazia do debate programático sério e aprofundado. Quem
não aprende com a História condena-se a errar seguidamente.
Estamos
em face de uma das fontes da crise brasileira: a visão pobre, míope, curta, dos
processos históricos, visão na qual o acessório toma a vez do principal, o
episódico substitui o estrutural, as miragens tomam o lugar da realidade. Diante
da floresta, o medíocre contempla uma ou outra árvore. Perde a noção do rumo
histórico.
Ao
menosprezar seu próprio trajeto, ao ignorar as lições de seus fundadores –
entre eles João Mangabeira, Antônio Houaiss, Jamil Haddad e Miguel Arraes –, o
PSB renunciou à posição que lhe cabia na construção do socialismo do século
XXI, o socialismo democrático, optando pela covarde rendição ao statu quo. Renunciou à luta pelas
reformas que podem conduzir a sociedade a um patamar condizente com suas
legítimas aspirações.
Qual
o papel de um partido socialista no Brasil de hoje? Não será o de promover a
conciliação com o capital em detrimento do trabalho; não será o de aceitar a
pobreza e a exploração do homem pelo homem como fenômeno natural e
irrecorrível; não será o de desaparelhar o Estado em favor do grande capital,
nem renunciar à soberania e subordinar-se ao capital financeiro que construiu a
crise de 2008 e construirá tantas outras quantas sejam necessárias à expansão
do seu domínio, movendo mesmo guerras odientas para atender aos insaciáveis
interesses monopolísticos.
O
papel de um partido socialista no Brasil de hoje é o de impulsionar a
redistribuição da riqueza, alargando as políticas sociais e promovendo a
reforma agrária em larga escala; é o de proteger o patrimônio natural e
cultural; é o de combater todas as formas de atentado à dignidade humana; é o
de extinguir as desigualdades espaciais do desenvolvimento; é o de alargar as
chances para uma juventude prenhe de aspirações; é o de garantir a segurança do
cidadão, em particular aquele em situação de risco; é o de assegurar, através
de tecnologias avançadas, a defesa militar contra a ganância estrangeira; é o
de promover a aproximação com nossos vizinhos latino-americanos e africanos; é
o de prover as possibilidades de escolher soberanamente suas parcerias
internacionais. É o de aprofundar a democracia.
Como
presidente do PSB, procurei manter-me equidistante das disputas, embora minha
opção fosse publicamente conhecida. Assumi a Presidência do Partido no grave
momento que se sucedeu à tragédia que nos levou Eduardo Campos; conduzi o
Partido durante a honrada campanha de Marina Silva. Anunciados os números do
primeiro turno, ouvi, como magistrado, todas as correntes e dirigi até o final
a reunião da Comissão Executiva que escolheu o suicídio político-ideológico.
Recebi
com bons modos a visita do candidato escolhido pela nova maioria. Cumprido o
papel a que as circunstâncias me constrangeram, sinto-me livre para lutar pelo
Brasil com o qual os brasileiros sonhamos, convencido de que o apoio à
reeleição da presidente Dilma Rousseff é, neste momento, a única alternativa
para a esquerda socialista e democrática. Sem declinar das nossas diferenças,
que nos colocaram em campanhas distintas no primeiro turno, o apoio a Dilma
representa mais avanços e menos retrocessos, ou seja, é, nas atuais
circunstâncias, a que mais contribui na direção do resgate de dívidas
históricas com seu próprio povo, como também de sua inserção tão autônoma
quanto possível no cenário global.
Denunciamos
a estreiteza do maniqueísmo PT-PSBD, oferecemos nossa alternativa e fomos
derrotados: prevaleceu a dicotomia, e diante dela cumpre optar. E a opção é
clara para quem se mantém fiel aos princípios e à trajetória do PSB.
O
Brasil não pode retroagir.
Convido
todos, dentro e fora do PSB, a atuar comigo em defesa da sociedade brasileira,
para integrar esse histórico movimento em defesa de um país desenvolvido,
democrático e soberano.
Rio
de Janeiro, 11 de outubro de 2014.
Roberto
Amaral
Fonte: Jornal GGN
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